"Ela" - Parte 1

“Eu preciso conversar com você”, ele disse, e desligou o telefone. Senti uma nevoada dominar meu corpo, célula por célula. Meu coração batia no ritmo e na força dos nocautes do Muhammad Ali.

“Quanto tempo eu tenho?”, eu pensava, “quanto tempo será que eu tenho pra inventar alguma coisa?”. Afinal de contas, eu sabia quais eram as conseqüências de contar a verdade pra ele. Quer dizer, eu achei que soubesse.

Eu conseguia sentir a respiração inquieta dele. Calculava cada passo ao andar do meu quarto até o dele, de onde ele tinha me ligado. Pensei em voltar pra trás, arrumar minhas malas e ir embora, mas achei que seria muito covarde da minha parte. Aquele momento viria, mais cedo ou mais tarde.

Sentei na outra extremidade do quarto, numa poltrona dura que me deu a impressão de que ninguém antes sentara. Eu encolhi minhas pernas e meus ombros pra escutar o que ele tinha a dizer. Os passos estranhos, quase-semi-circulares que ele dava me deixavam ainda mais nervosa. Até que ele sentou.

“Você tem alguma dúvida de que eu te amo?”, ele perguntou. Eu tinha. Muitas. Mas neguei. Não achei que o amor dele por mim fosse o foco da conversa. “E de que eu só quero o melhor pra você?”, continuou. Às vezes, as pessoas acham que o melhor pra si, é o melhor pro próximo. Discordo. Mas como esse também não era o foco, não valia a discórdia.

“O que você tem com ela?”, ele perguntou.

“Eu namoro com ela, pai”, eu respondi.

(to be continued...)