terça-feira, 1 de setembro de 2009

Fóda

– Eu gosto de ficar com você, mas é foda. Você não tem nada pra me oferecer. Quer dizer, você não pode me oferecer o que eu preciso. Já sei que você não é o cara que vai me levar pra sair no fim de semana, que vai dançar comigo na balada, que vai acordar abraçado comigo. Já sei que eu não posso te amar. Então não adianta, entende? Pra quê? – fez uma pausa e respirou fundo – Acho melhor a gente parar de se ver.

Disse ela ao espelho, uma das muitas vezes em que ensaiou as palavras para dizer-lhe, não tudo o que estava em seu coração, mas sim o que precisava ser dito.

Ele chegaria dentro em breve, tinham marcado um encontro em seu apartamento. Já há algum tempo ela estava mantendo este caso com um homem casado, mas sabia que era preciso parar agora, antes que se apaixonasse.

Na verdade ela não estava preparada para se apaixonar. Tinha medo. Talvez por medo é que atraía homens indisponíveis. O relacionamento com um homem casado já traz como premissa inicial a anulação da hipótese do compromisso e da construção de um futuro juntos, algo que lhe convinha muito bem. A dor tinha sido grande e não cogitava construir futuro com nenhuma alma que fosse.

Carente como estava, contentara-se com aquelas migalhas de amor. No entanto, foi com ele que ela conheceu o prazer carnal sem amarras, e era isso que a motivava em procurá-lo, seguidamente.

Mas esta seria a última vez, já estava decidido. Ia largar para sempre o vício, ia procurar um homem que pudesse estar com ela por inteiro, e ela com ele.

O telefone tocou.
- Alô?
- Oi, já tô aqui perto da sua casa, quer que eu te leve alguma coisa?
Ao ouvir estas palavras ela amoleceu, olhou a rua pela janela enquanto pensava, tocando o vidro. Abriu um sorriso e disse:
- Quero um pastel de Santa Clara.
- Tá bom. Beijo.
- Beijo, - desligou o telefone com carinho.

6 comentários:

Biza disse...

Adorei!..

(Caso difícil...).

Victor Meira disse...

Conto ótimo, Carinola. Complicado mesmo o caso. Será que ela procura curtir apenas o momento e o fato de que o relacionamento já implica um término previsto, ou será que ela gosta do desafio do amor (quase) impossível, e no fundo quer testá-lo - ou mesmo testar-se?

Legal, mas não sei não. Eu mesmo não queria ser nem o cara, nem a moça, haha.

Ela faz análise?

Tulio Malaspina disse...

Análise? Essa ai tá em perfeito estado de funcionamento. Tem amor, carência, medo, angústia, até com o espelho ela conversa. Quer mulher mais perfeita?

RêRusso disse...

Mulheres são tão mulheres....

Carina disse...

É, eu acho isso também.


É como uma licença poética para umas loucuras a mais.

Bia Schaefer disse...

Adorei Carina, muito mesmo. Não poderia me identificar mais com ela.