sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Amizade

Nos idos de 1990 você cantou em falsete - que eu sei - a seguinte canção: “Amiiiiigo é coisa pra se guardaaar, no lado esquerdo do peeeeito”.

Terminado o coral com o sinal de gralha eletrônica que anunciou o recreio, você e o coleguinha ao lado saíram em disparada para mais uma tarde correndo atrás de bolas de futebol e o galho mais alto da árvore. Pronto. Estava instaurado o primeiro caso de amizade nessa vida que dava seus primeiros passos, muito possivelmente calçando ki-chute. Idependente do tênis ou se você era menina e gostava de bonecas, um coisa é certa: a tia da sua escola acertou em cheio ao fazê-lo cantar este belo verso do Milton Nascimento.

Que graça teria essa vida sem amigos? A testemunha ocular dos seus momentos, melhores ou não. O ombro ao lado que sai junto na foto e confirma histórias para contar de cerveja no copo ou neto no colo. Um cúmplice na cola do colégio e na indicação para um emprego. Definições são muitas, mas nada resume melhor o valor de uma amizade do que a seguinte epifania cinematográfica, do filme Na Natureza Selvagem:

“Happiness only real when shared”.

Chame de instinto, de carência, de uma evolução do infantil medo de escuro, mas é de nossa índole querer ter alguém para compartilhar experiências nessa vida que parece ser eterna enquanto dura.
Ou você realmente acha que premiações “com acompanhante e tudo pago” estão a toa por aí? São provas concretas, estampadas em cupons de sorteio pelo mundo afora. Levar um amigo na aventura é uma exigência tão clara quanto querer que o carro venha com volante.

E assim como o jeito para se manobrar numa baliza, homens e mulheres levam suas amizades de maneiras diferentes. Ao descascar a cebola e separar as camadas entre os sexos, encontramos disparidades entre a turma “dos cara” e as “meninas” (fato: mesmo que tenha 78 anos bem vividos, uma mulher sempre irá se referir às suas amigas como as “meninas”).

É uma diferença que vem de fábrica, junto com os cromossomos e a opção de ou usar sutiã ou ficar entre rouco e estridente quando chega a puberdade. E como um exemplar da metade que viveu a fase da voz estranha e das Playboys escondidas na gaveta das camisas de time, compartilho em parágrafos a seguinte opinião.

O homem nasce, cresce, simula que se reproduz e acha que vê a morte no fundo de um vaso sanitário, depois de um exagero de destilados em alguma festa open bar. E em todo esse processo, lá está ele, o seu amigo. O parceiro. (o termo “brother” veio mais tarde, com a chegada dos surfistas de final de semana aos círculos de amizade). O cara que te acompanhou na festa, conversou com a amiga exclusivamente “gente boa” para lhe dar tempo de tentar algo com o seu bem-querer. E por fim, lhe consolou sugerindo afogar as mágoas, fechando o ciclo ao te apresentar para a privada mais próxima.

Para o homem a amizade é uma instituição tão sagrada quanto a turma que ele almoça junto de domingo. E se o domingo tem data, o resto da semana tem outra: a cerveja com os amigos.
Tão obrigatória quanto depilação íntima e felizmente muito menos dolorosa – coisa que somos mais meninas que muita mulher para suportar.

A mesa do bar é um divã de plástico amarelo. Fala-se sobre tudo, peitos são abertos entre rodadas e rodadas do gelado liquido dourado. As chances de aumento, os colegas de trabalho que pegariam com toda certeza do mundo. As atualidades do mundo, quem pousou pelada – e se vale conferir. E por fim, as notícias do futebol, boêmia adentro.

Mulheres também se reúnem, claro. Armam happy hours e “girls night out” com sessões de roupa e maquiagem na casa de uma, sujando coqueleteiras e liquidificadores com mojitos e batidas perigosamente saborosas. Mas não com tanta frequência e, principalmente, não atribuindo tanto valor ao encontro quanto o homem.

E é aí que – penso eu – mora a principal diferença entre as amizades. Que fique bem claro: mulheres também tem suas irmãs, suas melhores amigas e parceiras de guerra. Mas não constroem o mesmo altar da amizade que os homens, com um São Beto ou um São Pedrão para ser devoto.

Um melhor amigo para o homem beira um estranho homossexualismo enrustido. Com tapas na bunda, socos no ombro e xingamentos à mãe entre um único aperto de mão. Chegam a declarar saudades. A darem bronca. Vivem um verdadeiro romance entre brothers – o chamado “bromance”definido no ótimo Eu Te Amo, Cara.

São sagrados. Condição que se estende às suas namoradas e senhoras. É fato: a namorada de um grande amigo desenvolve um pênis no momento que ele declara que por ela penduraria suas long necks. O amigo pode achar gostosa, atraente, chega a compartilhar essa informação. Mas a traição desse valioso pacto é uma atitude mais mal-vista que encoxar a mãe na fila da hóstia.

Está escrito na página 12 do “Manual do Melhor Amigo”: o homem que pegar a namorada do outro vestirá para a turma toda a mini saia rosa da hostilidade.

Outra ressalva: mulheres também respeitam o namorado alheio. Mas pela ausência do referido Altar Masculino à Amizade, são mais dispostas a esquecer essa condição quando o coração manda ou a carne estremece. O grande Chris Rock exemplificou isso muito bem com duas citações:

- “Puxa a namorada do meu amigo é sensacional. Bonita, gente fina... Quero achar alguém que nem ela!”
- “Nossa... O namorado da minha amiga é sensacional. Bonitão, gente fina... Quero ELE!”

Talvez seja a competitividade feminina, o fato de vestirem-se para outras mais que para agradar outros. Ou a ausência do assunto “futebol” para quebrar gelos e transpor barreiras entre o nome e o apelido. Mas mulheres primeiro se encaram como rivais, para depois tornarem-se colegas, e possivelmente, amigas.

Para um homem, do plantio à colheita a amizade parece ser mais fácil de dar algum fruto. Preferencialmente cítrico e verde, para ser cortado na tábua ao lado da churrasqueira.

O fato é que para saborear os doces e amargos desse doido drink chamado vida, a amizade tem sem dúvida a mesma importância que o amor. Por isso, homem ou mulher, o segredo é ter sempre borboletas no estômago e nos ouvidos, alguma música que goste.

Se não for aquela do Milton Nascimento, que seja outra. Algo como:

“I get by with a little help from my friends
I’m gonna try with a little help from my friends...”

9 comentários:

Mel Cerri disse...

Fubazinho!

Mais uma vez um belo texto, parabéns!
Eu vejo a seguinte diferença entre amizades masculinas e femininas: os homens não criam (por natureza) interpretações sombrias e ocultas sobre tudo que lhes é dito. Já a mulher, encanada, cria 57 interpretações possíveis para se convencer de que quando a amiga disse "vc está linda" na verdade ela quis dizer "vc é uma baranga gorda e eu vou pegar o seu namorado". Como é da natureza feminina falar nas entrelinhas, deixar as coisas subentendidas (coisa que enlouquece os homens), afinal, se for td escancarado perde a graça, nós temos uma desconfiança excessiva (e às vezes fundamentada) de td que sai da boca de outra mulher. Feio né? Mas acho que é uma lembrança da época em que ficar "sem marido" era ficar sem comida, sem casa, sem amor...

Sobre o texto, sabe o q ficou faltando? A amizade interssexual. Ou vc não acredita em amizade entre homens e mulheres?

Beijão Fufu!
Parabéns!

Fubim disse...

Hey Mel!
Essa prática feminina das "entrelinhas", mesmo entre amigas, deve ser realmente enlouquecedor! Mas acho que amiga de verdade não julga, ainda mais nas entrelinhas, com comentários de duplo sentido. Se julga, fala numa boa, não?

Quanto a amizade entre homem e mulher tem um único grande problema - ou solução: pode virar algo mais. Acredito sim em amizade verdadeira entre os dois, mas acho que fica mais fácil quando ela namora um amigo, ou já de alguma maneira perdeu o status de pegável, atraente, para brother mesmo. O que tem muito por aí e uma beleza de amizade.

Como a sua! =D

Carina disse...

Ae! adoro ler o resultado final de textos que eu soube antes da ideia.

Realmente, os estilos de amizade são diferentes, não temos tantos rituais. Ou até temos, mas realmente com menor frequência.

Comparativamente, parece que somos pessoas "piores" por causa disso mas a amizade feminina pode ser sim incrível! e não é tudo drinks docinhos e girls nights com roupas fabulosas, coisas de filme. Amizade feminina é ouvir a amiga contar todos os detalhes do último encontro, do momento em que ele te buscou em casa atééé qdo termina - e isso requer mta orelha e paciência! haha

Amiga é aquela pessoa em quem dá pra confiar 100%, que te acolhe nas horas ruins e celebra com você as coisas boas. Ou seja, as características que determinam os verdadeiros amigos são as mesmas, e acho q isso q importa! =D

Renata disse...

aposto que o fubá fica fritando pra saber o que a mulherada achou! hahah! E lá vai minha parte:
1. Fubá, você precisa EDITAR. Cara, tem muitos textos nesse texto. E todos bons! Mas isso enfraquece-o como todo. No começo achei que ia ser um texto sobre amizade desde a infancia...daih virou mais 300 coisas ateh chegr no ponto, que tbm viraram vários pontos:)

2. Só a história da mina desenvolver um pênis já dava um conto!

3. Minassaia rosa da hostilidade = genial! Outro conto!

4. Sobre se vestir para mulheres: Isso (pra mim) é uma questõ puramente hormonal, que vcs homens jamais entenderão. No período fértil, visto-me para homens, para o mundo, quero ser vista e elogiada. No período TPM, é chinelo, calça jeans e camiseta, pelo na perna e num me encha o saco.
Sacou?

5. Encoxar mãe na fila da hóstia = genial! Outro conto!

E é isso.
Edita, fubá, edita que vai fazer bem :)

bjoss!

Lalá disse...

Ae Fubim, curti muito o texto também! Mas discordo de algumas coisas. Eu acho que no fim, mulher tem muitas amigas, as "meninas" são sempre um grupo enorme, mas sempre tem aquelas, que você conta nos dedos, que são AS amigas. Pra elas você conta qualquer coisa e sabe que não te julgam, e sabe que pode contar com elas pra tudo. E elas também vêem seu namorado com um par de peitos! hehehe Eu acredito, porque achei as minhas brothers na vida.
Mas concordo que a amizade feminina é mais difícil que a dos homens, com certeza. Assim como tudo o que é feminino é complicado, é assim que é! hehehehehe

Ah, também concordo com a Rê! dá pra sair muito texto daí!

Bom, é isso!! Parabéns!

bjos

Carina disse...

Olha, é um bom ponto esse da Chaveiro, Fubim. Sempre pensei isso tb, mas nunca achei q fosse meu papel fazer observações "estilísticas" no texto de outrem...mas agora q ela mencionou, hehe, devo dizer q concordo.

bjo bjo

Fubim disse...

ooo minhas meninas!

MUITO obrigado pelos comentários e dicas. Todo tipo de generalização é sempre muito difícil, e eu sabia do desafio que seria tentar dar o meu ponto sobre amizades masculinas e femininas. Mas é com comentários assim que vou acertando! =D

Quanto a "edição de textos", realmente são muitos dentro de um. É que eu nao mi controoolio! As palavras vão saindo, e quando eu vi, já deu 300 letras até o ponto. Como agora!

De novo, muito obrigado pelos toques e opiniões. É o que deixa esse trampo muito mas goxtousio!

beijos!

Carol disse...

Fubá!
Que seus textos são incríveis é quase desnecessário repetir!
Mas são incríveis justamente por nos fazer questionar e dar “pano pra manga”.
E desde aquele dia que você disse sobre o texto que estava escrevendo eu venho me perguntando sobre essas condições de amizade.
Se cheguei a alguma condição particular foi o seguinte:
Primeiro que eu me acho muito sortuda por ter os brother de tomar breja. Quase com uma condição que ignora-se o feminino x masculino, eu cultivei esses brothers e sei que essa condição aplica-se de forma recíproca. Então, quando eu quero uma desintoxicação desse universo hormonal feminino que estou inserida a presença deles é indispensável. E os motivos são todos esses que você falou no texto, o de acolhimento de brothers, essa cumplicidade e adoção masculina que me parece muito mais existente do que no caso das mulheres. Porque no universo feminino há uma competição inegável, sim. Quase que inexplicável, ancestral creio eu, instinto de sobrevivência da mulher.
Mas acho que isso não desvaloriza as amizades femininas. No caso, elas são mais amplas. Ao contrário do acolhimento masculino, no universo feminino há diversos e distintos grupos de amigas. Tem aquelas que são suas irmãs, que fizeram parte de sua infância, que sabem de seus problemas familiares, que sabem se tem algum problema. Tem aquelas que são suas ‘bests’, que não te conheceram antes, mas sabem a mulher que você está se tornando, sabem seus segredos femininos, sexuais, as merdas que você fez quando bebeu, a química que rola entre você e aquele carinha, aquelas que vivem as experiências na mesma fase que você. Tem aquelas que você gosta de sair para se divertir e se acabar de dançar. Tem aquelas ‘de balada’ que é mais superficial, mas que sinceramente você não confia, porque ela talvez não enxergue seu namorado como mulher (desculpe, eu tenho preconceito com essas). E, dentre todos esses tipos de relacionamento feminino o carinho é muito grande, e aí vem à consideração, sim. O que acontece de diferente, totalmente por competitividade feminina é que esses grupos não serão amigas entre si, aí torna-se um bando ‘contra’ o outro, diferente do endosso de brother. Provavelmente ‘as de infância’ conviverão com as ‘de confidencia’, afinal há um elemento em comum (você amiga) que as une, mas por ciúme, ou qualquer outra coisa, essas partes não serão amigas mesmo, e ai a possibilidade de amizade menos verdadeira, por conveniência. Mas é só saber direcionar, seus problemas para uma, confidências para outras, aventuras para outras. Esse direcionamento requer certa estratégia, mas as mulheres são estrategistas não é mesmo? Mais estrategistas do que competitivas, pois é estratégia passional, de coração. Mas acho também que é algo que estamos acostumadas, condicionadas, por isso parece normal. Diferente dos brothers. Mas com certeza, todos os grupos são muito especiais.

Beijos

Carol disse...

Nossa, falei horrores. Dentro de um comentário onde também surgiriam mil textos. Mas esse assunto é assim, né?